Por: Leonardo Lucena
A comunicação é um serviço de concessão pública, ou deveria ser, pois a realidade é bem diferente daquilo que está previsto na legislação. Quando se vive num país onde se preza constitucionalmente pela liberdade de expressão e informação e pelos direitos humanos, não há possibilidade de se ter democracia sem a democratização da comunicação social. Até porque, tanto os protagonistas da radiodifusão, como a opinião pública, principalmente, sabem do poder que tem o jornalismo a fim de construir um agendamento público para o bem comum.
Como serviço público, a comunicação não deve ser de propriedade privada, mas, na prática, muitas emissoras da radiodifusão são concessões de políticos, empresários ou religiosos. Isso significa que as articulações políticas estão acima dos interesses públicos, privando homens, mulheres e crianças de seus direitos enquanto espectadores. Segundo o presidente da Associação das Emissoras de Radiodifusão de Pernambuco (Asserpe), Cléo Nicéas, o problema maior está na sociedade, pois é preciso mais discussão e diálogo sobre o tema para se chegar a um resultado satisfatório. “Devem ser criados Conselhos de Autorregulamentação para a mídia. Porém, se boa parte da população brasileira não deixar de ser preconceituosa, não ser ética, e mudar seus valores, esta situação vai demorar para ter mudanças significativas” diz.
O fato é que a legislação proíbe alguns fatores, como, por exemplo, a concentração de mídia (artigo 220) e determina preferências a finalidade educativas, artísticas e culturais, o respeito aos valores éticos e sociais do cidadão e estímulo às produções independentes (artigo 221). Para Cléo, o modelo no Brasil é bom comparado a outros países, é democrático na medida em que há mais redes de comunicação, até porque já foi pior. “Antigamente, vários políticos tinham controle sobre emissoras de rádio e TV, e ganhavam a eleição manipulando o povo. Hoje, a situação já não é tão lamentável como antes”, acrescenta.
Quando se fala em controle social da mídia, não há como não pensar nos poucos veículos que, teoricamente, atendem aos interesses públicos, como é o caso das rádios comunitárias. Alguns pontos na legislação desses veículos devem ser mencionados. Por exemplo, elas são desprotegidas de ingerência de órgãos externos, o diretor tem de morar no mesmo local onde funciona a rádio, tem um quilômetro de alcance, no máximo, e é vedada a formação de redes para a exploração do serviço. “Acho justa essa lei, mas contanto que veicule uma programação artística, cultural e atenda às necessidades das comunidades onde estão instaladas. E, se for criado Fundo Público, como na Inglaterra, não daria tanto resultado pelo baixo nível educacional brasileiro”, afirma o jornalista José Renato, que implantou a Rádio Nova Brasil FM em Pernambuco.
Existe mais de uma solução possível para este problema, contudo não é tão fácil concretizá-las pelos mais variados interesses da política, dos empresários que têm vínculos com políticos e das Igrejas, nas quais alguns senadores e deputados federais e estaduais são vinculados, fazendo jus à Bancada Evangélica do Congresso ou das Assembleias e Câmaras Municipais. Para José Renato, no caso das rádios comunitárias, por exemplo, muitas funcionam como comerciais, quando implantadas e, além disso, existem estreitos ligamentos entre presidentes de associações de moradores e os políticos, inclusive, os que também são religiosos. “Há ocasiões em que, se a emissora falar mal do Governo, será cassada.”
Outra questão referente às concessões de rádio e TV é a burocratização dos processos de outorga e renovação. De acordo com o informativo do Intervozes, funciona da seguinte forma: primeiro vai para o Ministério das Comunicações (MiniCom), depois para a Casa Civil e em seguida para a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. De lá, vão para a Comissão de Constituição e Cidadania e de Justiça (CCJC), ainda na Câmara. Posteriormente, tramita no Senado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Por fim, volta à Casa Civil para o presidente sancionar a renovação. Essas etapas dizem respeito às concessões (para TV’s e rádios com ondas curtas e ondas médias em alta potência e é prerrogativa do presidente da República) e às permissões (para rádios locais, AM e FM, de baixa potência, e é prerrogativa do MiniCom).
Toda essa tramitação no MiniCom e no Congresso Nacional deveria demorar menos de um ano, porém a espera em diversas ocasiões é de seis, sete anos. Ou seja, a emissora já está com seis, sete anos de outorga vencida. Para a professora de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Aline Lucena, o “xis” da questão é a falta de transparência perante a população. “Caso a sociedade participe da avalição das outorgas e renovações, é válido. Mas, infelizmente, o povo fica fora dessas etapas.”
Já com relação à proposta do Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, de criar rádios comunitárias para 34 municípios brasileiros, onde esses veículos estão ausentes, Aline declara que isso dará resultado se houver fiscalização, uma vez que muitas dessas emissoras são forjadas, comerciais. “Com isso, sentimos a necessidade de haver conselhos para um melhor monitoramento dessas mídias para o bem da comunidade”, responde.
Não se pode prescindir de forma alguma que em muitos casos pelo país afora, o jornalismo infunde crenças, normas e valores na mentalidade de boa parte dos cidadãos. Em palestra no Recife, o colaborador do Observatório da Imprensa, Venício de Lima, disse que a lei de referência do país é pautada no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962, e ela já está superada. “Há concessões de rádio difusão aprovadas pelos próprios concessionários de rádio ou TV”, completa.
Venício fez uma pequena contextualização e disse que a mídia brasileira é, historicamente, centralizada nas Oligarquias Políticas Regionais, formando um Coronelismo Eletrônico na comunicação. O colaborador do Observatório da Imprensa defendeu a implementação dos Conselhos Estaduais de Comunicação (CEC), que, por sua vez, têm a função de monitorar, orientar e fiscalizar as políticas públicas de comunicação. “Espero que vocês lutem muito pela criação desses conselhos.”
Já o outro palestrante, o professor de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marco Mondaini, relacionando sociedade e mídia com o Regime Democrático brasileiro, disse que as instituições do país se baseiam em tolerar conflitos. “Você não deve apenas tolerar; democracia é mais do que isso, é você estabelecer consenso. Salve Paulo Freire!”, declara.
A diversidade é um fator crucial na comunicação. No entanto, essa causa esbarra na propriedade cruzada (uma mesma rede controlando TV, rádio, jornal e revista), o que é proibido. De acordo com o editor no blog Eu Democratizo (www.eudemocratizo.blogspot.com), Clayton Douglas Vital, a comunicação e a liberdade de expressão têm de refletir o mais elevado grau de democracia para uma sociedade. “A mídia no Brasil sufoca as diferentes visões, elimina o pensamento crítico e, consequentemente, suprime a democracia. Passa por influências econômicas e políticas gritantes”, diz.