sábado, 19 de junho de 2010

PARA QUEM DESEJA FAZER JORNALISMO DE FORMA ÉTICA


Por: Cleyton Douglas Vital e Everaldo Costa Santana

Artigo publicado no site do Observatório de Imprensa e no Direito Humano à Comunicação.


Mídia, crise política e poder no Brasil, de Venício A. Lima, Decidindo o que é notícia: os bastidores do telejornalismo, de Alfredo Vizeu e Showrnalismo: A notícia como espetáculo, de José Arbex

PARA QUEM DESEJA FAZER JORNALISMO DE FORMA ÉTICA

Uma das principais características do jornalismo no Brasil é a manipulação da informação que resulta na dominação da realidade. De acordo com teorias ligadas ao campo jornalístico, os profissionais inseridos no sistema midiático deveriam trabalhar sob a ótica da isenção e da objetividade de modo a garantir pluralidade e diversidade de opiniões na sociedade. Porém, ao se autodenominar formadora e porta-voz da opinião pública em meio a uma realidade histórica construída sob ilegalidades, a mídia no Brasil sufoca as diferentes visões, elimina o pensamento crítico e, consequentemente, suprime a democracia.
O trabalho aqui proposto tem como objetivo mostrar um pouco do conceito tratado por Venício Lima, em Mídia: Crise política e poder no Brasil, e também por Alfredo Vizeu, em Decidindo o que é notícia: os bastidores do telejornalismo. Pode-se dizer com certeza, que ambos os livros são pontos de parada obrigatória para quem deseja fazer jornalismo, mas não fazer de qualquer jeito, e sim, vivê-lo, exercendo-o de forma ética.
Venício Lima divide o livro em três partes e seis capítulos, instigando o que o próprio autor se dedica a estudar: o poder exacerbado da mídia, a manipulação, a concentração e a exclusividade da mídia televisiva.
DIREITOS BÁSICOS DO TELESPECTADOR
O capítulo 1, intitulado "Presunção de culpa: A cobertura da crise política de 2005/2006", como o próprio tema já mostra, trabalha a relação da mídia com a política. O autor faz uma análise, de certa forma plural, da cobertura realizada por grandes veículos de comunicação em meio à crise política. Venício vai buscar fontes muito seguras para explicar o conceito de Escândalos Políticos Midiáticos (EPM), como a definição dada por Thompson ao dizer que todo escândalo político midiático para acontecer precisa está ligado à mídia. Venício Lima descreve e diz que "o que está em jogo, portanto, num EPM, é o capital simbólico do político, sobretudo sua reputação". Para enfatizar ainda mais suas palavras, diz que Escândalo Político Midiático nada mais é do que "o evento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e moralmente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências posteriores".
A forma com a qual o escritor cita alguns exemplos para embasar seu pensamento, pode-se afirmar, atitudes incoerentes de alguns profissionais do jornalismo. E para dar embasamento a esta reflexão, Venício Lima, chega até O poder simbólico (1989, p.189) quando Bourdieu vai se referir, especificamente, a esse profissional "jornalista", como "detentor de um poder sobre os instrumentos de comunicação de massa que lhe dá um poder sobre toda a espécie de capital simbólico – o poder de fazer e desfazer reputações".
Em Direitos do telespectador, quando Eugênio Bucci cita alguns fatores essenciais, cabíveis aos jornalistas em não praticá-los, preservando direitos básicos do telespectador. "Concessão pública, o canal de TV deve estar proibido de sonegar fatos de relevância pública evidente. Da mesma forma, deve estar proibido de empregar sua influência junto ao público com finalidades partidárias."
NOTÍCIA É ADAPTADA ÀS NORMAS MERCADOLÓGICAS
O que nos parece é que esses preceitos não ficaram muito claros para alguns profissionais do campo, já que no capítulo 3, Venício Lima, destaca uma citação feita pelo diretor-presidente da TV Globo, Roberto Marinho, hoje falecido, no ano de 1987. "Sim, eu uso o poder [da Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas, buscando os melhores caminhos para o país e seus estados" (p. 65). Não é isso que deveria acontecer na grande mídia, mas, infelizmente, esse mal persiste até os dias atuais.
Em Decidindo o que é notícia: Os bastidores do telejornalismo, o professor e jornalista Alfredo Vizeu, ao analisar as rotinas de produção de alguns telejornais do país, observa que os meios de comunicação seguem uma lógica distinta da responsabilidade social e do compromisso com o público – princípios que deveriam nortear a atividade e a dignidade moral do profissional ligado à atividade jornalística. Na verdade, incorporada a lógica político-econômica, a mídia satisfaz os interesses e perpetua os privilégios de poucos, violando, dessa forma, os direitos da maioria.
Em seu livro, Vizeu destaca que no Brasil a relação capitalista entre informação e mediação fez surgir uma dependência mercadológica responsável por subordinar a mensagem à política editorial da empresa. Dessa forma, citando o jornalista e estudioso Ciro Marcondes Filho, o autor aponta as atuais características da informação transmitida com base nesse pressuposto:
"Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais, sensacionais; para isso, a informação sobre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo" (Vizeu, p.69).
OPINIÃO PRIVADA TORNADA PÚBLICA
A ausência/ineficiência de uma legislação contribui com essa realidade ao propiciar a propriedade privada e sustentar a concentração do sistema de mídia nas mãos de políticos e empresários preocupados com a manutenção do status quo. Tendo os políticos como os principais concessionários de rádio e televisão, os setores especializados na produção de informação respondem somente aos interesses dessa categoria, ou melhor, aos interesses particulares do proprietário da empresa em detrimento às responsabilidades frente à sociedade.
Como afirma Venício Lima em Mídia, crise política e poder no Brasil, o sistema de comunicação no país se baseia em determinados aspectos que, ao tentar camuflar os interesses dos grupos dominantes, expõem o poder e a atuação da mídia junto a esses grupos. Inspirado na combinação de fatores econômicos, políticos e jornalísticos, Venício constrói teses para definir esse sistema. Entre elas, as de que a mídia ocupa posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, permeando diferentes processos e esferas da atividade humana ou, em particular, a espera da política; exerce várias das funções tradicionais dos partidos políticos; alterou radicalmente as campanhas eleitorais. Em outras palavras, ainda com base nas teses do autor, a mídia se transformou em importante ator político, tornando impossível a existência de uma política nacional sem a sua intervenção.
Atualmente, a política ocorre na mídia e através dela. Debates, pronunciamentos, campanhas são mediados e atrelados a interesses específicos que, em alguns casos (como já ocorreu no Brasil), podem provocar distorções/manipulações no conteúdo. Como afirma Venício Lima:
"Há uma perigosa confusão entre as esferas privada e pública. A liberdade de imprensa garante que empresas privadas de mídia expressem seus pontos de vista sobre os assuntos públicos, mas eles serão sempre apenas o que são: opinião privada tornada pública, e não opinião pública." (Lima, p. 46).
JORNALISMO É SUPRIMIDO POR POLÍTICA EDITORIAL
Concluindo as teses que assinalam para essa comunicação unidirecional, centralizada, integrada e padronizada, Lima destaca mais dois pontos que permitiram a propagação dessa realidade injusta e antidemocrática e que ainda a potencializam: a característica histórica de uma legislação ineficaz e sem fiscalização que admite a formação da propriedade cruzada, e as características específicas de uma população sem o domínio da leitura e da escrita e que tem como principal meio de informação e entretenimento a televisão.
Já Showrnalismo vai mostrar que, cada vez mais, um número menor de corporações detém o poder de decidir o que é e o que não é notícia. Cada vez mais, uma minoria tem desempenhado o poder de subjugar uma maioria por meio da produção e da transmissão de conteúdos que lhes são convenientes. No processo de industrialização da informação, as sociedades passaram a viver sob uma lógica capitalista de produção de conteúdo que transformou o campo jornalístico em um meio lucrativo e importante à manutenção do status quo através da circulação do mesmo e, consequentemente, da alienação pela ausência de pluralidade.
Com base nesse contexto social, o jornalista José Arbex Jr., por meio de argumentos teóricos e exemplos práticos que os reforçam, aponta para a situação que, atualmente, impera no jornalismo: a espetacularização da notícia. Atrelada a interesses políticos e econômicos dos priprietários de mídia, a informação adquire um caráter mercadológico que a distancia das questões sociais, culturais e educativas. Em outras palavras, a lógica do capital-informação distancia o fazer jornalítico dos princípios morais, das responsabilidades éticas e do compromisso junto ao público. Citando como exemplo a essa realidade determinados conteúdos brasileiros e relatando algumas experiências como repórter da Folha de S.Paulo, o autor destaca como o jornalismo é, muitas vezes, suprimido por uma política editorial que, na verdade, está ligada a uma política empresarial.
A POSSIBILIDADE DE ESCAPAR AO "DISCURSO ÚNICO"
Ao iniciar o livro com o capítulo "Memórias e Histórias", Arbex aborda temas como a linguagem televisiva, o império dominado pelas corporações e a industrialização do conteúdo noticioso, expondo ao leitor situações reais, em que, na busca pela audiência, a televisão ultrapassa os limites entre ficção e realidade. Nesse ponto, citando Jean Baudrillard, diz que o desaparecimento entre essas fronteiras dá à mídia não apenas a capacidade de criar fatos, mas também de criar a opinião pública sobre os fatos que ela mesmo gerou, trasnformando essa opinião em mero somulacro.
"Esse mecanismo de fabricação de opinião simula a democracia: aperentemente, a opinião divulgada pela mídia interfere no curso dos acontecimentos, dando a ilusão de que o público foi levado em consideração. Na realidade, os indivíduos permanecem isolados [...] sendo virtualmente unificados pela mídia, mas sem terem exercido qualquer interlocução" (Arbex, p. 56).
Entre os diversos exemplos citados, estão as coberturas internacionais. Entre elas, a da guerra do Golfo em que a CNN transmitiu ao mundo uma realidade forjada sob os interesses da política externa norte-americana.
Sobre a transformação dos fatos em notícias, o autor trabalha a idéia de que os conteúdos veiculados pelos meios de comunicação não são frutos de critérios pré-definidos de acordo com conceitos jornalísticos, mas sim o resultado final do pacto de cumplicidade entre mídia e mercado. Arbex, aponta que são as grandes corporações que elaboram e disseminam discursos e interpretações que reforçam diariamente a ideologia desse império oligopolizado. "A fonte emissora da informação é única, centralizada, estruturada como indústria, ao passo que os destinatários da informação são um número imenso de seres humanos nas mais distintas regiões" (2001:114).
Sem limites para a construção de fatos-notícia, os meios de comunicação participam de um "consenso fabricado" baseado nos preconceitos e na ignorância intelectual, em que as tecnologias da informação tornam, aparentemente, visíveis determinados aspectos do real sem de fato nada revelar. Como afirma o autor, a engenharia do consenso opera de modo mais sutil e eficaz do que a censura, já que seus pressupostos são os próprios preconceitos e convicções dos indivíduos.
Showrnalismo: A notícia como espetáculo é um livro que critica a mídia e o sensacionalismo. Seu ojetivo é revelar ao público aspectos de um jornalismo que vulgariza a notícia em favor da audiência e que abandona o princípio de isenção em favor de interesses particulares. Ao destacar que os meios de comunicação se transformaram em sinônimo de megainvestimento, Arbex chama atenção para a necessidade do controle crítico a partir da organização da sociedade civil.
"Apenas a interlocução pode criar um espaço de liberdade que permite, em tese, construir uma perspectiva de narração da história escrita pelas elites e imposta por uma mídia monodiscursiva. A memória dos fatos narrada por outras vozes é a possibilidade de escapar ao `discurso único´, à versão pasteurizada e propagada pelas elites" (Arbex, p. 271).

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