POr:Ivan Moraes Filho
O carnaval já estava praticamente na rua quando a história estourou nas páginas do Jornal do Commercio da quinta-feira anterior à folia. Dizia a matéria que um jornalista da empresa havia sido interrogado por coronéis da corregedoria da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco. Os de farda queriam saber a fonte de uma série de reportagens que denunciavam irregularidades no Corpo de Bombeiros. Um absurdo que viola não só a Constituição Brasileira, mas também diversas normativas internacionais. O sigilo da fonte é um direito de quem tem o dever de informar a população e faz parte dos preceitos da liberdade de imprensa.
Não demorou para que a sociedade civil se movimentasse. O Movimento Nacional dos Direitos Humanos foi o primeiro a encabeçar uma nota pública repudiando o fato. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco também divulgou posicionamento similar. Na mesma tarde foi marcada uma entrevista coletiva em que não só entidades ligadas ao MNDH e SinjoPE estiveram presentes, mas também a Ordem dos Advogados de Pernambuco e o próprio JC fez-se representar através de seu diretor de redação Ivanildo Sampaio. O objetivo: mais uma vez repudiar a ação dos coronéis e informar sobre a intenção de notificar o caso à ONU e à OEA.
Da coletiva, as entidades partiram para o palácio do governo para reunir-se com o secretário do Gabinete Civil Tadeu Alencar. Já nesse encontro, a notícia: estava exonerado o coronel Siqueira de Souza, corregedor-auxiliar que comandava o inquérito. Também caiu o coronel Frederico Malta, que participou da sindicância. Um acerto do Governo do Estado e mais que tudo uma vitória dos grupos que lutam todos os dias pela liberdade de imprensa.
Durante o dia inteiro, essa movimentação foi amplamente divulgada através das redes sociais, de blogs independentes e de veículos do próprio Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC). Rádio Jornal, CBN, Jornal do Commercio, JCOnline e TV Jornal, todos pertencentes ao mesmo grupo, estiveram na coletiva de imprensa e divulgaram tudo. O constrangimento, a ação da sociedade civil, o afastamento do coronel. Tudo.
E desde já pode-se perceber que ainda estamos longe de ter um jornalismo realmente livre, em que cada profissional exerce seu direito (e dever) de publicar/veicular aquilo que realmente acredita ser notícia. Isso porque na mídia tradicional pernambucana, apenas um conglomerado viu-se na obrigação de divulgar que um jornalista havia sido interrogado sobre sua fonte. Apenas este noticiou a movimentação da sociedade civil sobre o caso. Somente este grupo, diretamente envolvido, considerou relevante a notícia da exoneração de um corregedor por considerar sua conduta equivocada diante do repórter.
A Rede Globo não acompanhou o processo de perto nem enviou equipe para apurar a pauta, mas obteve informações para divulgar uma nota e uma pequena matéria em seu site de notícias.
Nos Associados (Diario de Pernambuco, TV Clube, Rádio Clube, Pernambuco.com), nada. Nem na sexta, nem no sábado – quando tradicionalmente os jornais falam praticamente apenas de carnaval. Concorrente direto do JC, talvez a chefia do DP tenha se esquivado para não ter que citar o nome de seu adversário nas bancas. A Folha de Pernambuco/Rádio Folha também não interessou-se pelo assunto.
Quer dizer, difícil afirmar que não houve interesse. Que ninguém nos supracitados jornais tenha pensado em correr atrás da matéria. Um fato como este não agride apenas o jornalista ou o jornal em que ele trabalha, mas todos os profissionais, empresas e entidades que têm a comunicação como finalidade.
Não é todo dia que um jornalista é coagido a entregar sua fonte. Também não é todo dia que um corregedor de polícia é exonerado por má conduta. A grande pergunta é: nas reuniões de pauta, o assunto surgiu? Como – e com que argumentos – a pauta caiu na Folha e no DP?
Liberdade de imprensa é o conjunto de direitos que jornalistas têm para que exerçam sua função sem mordaças ou constrangimento. Violações a esta liberdade nem sempre vêm de governos. Muitas vezes os obstáculos podem estar dentro das próprias redações, como parece ter acontecido dessa vez.
E se fosse o contrário? Se o episódio tivesse acontecido com um jornalista do Diario? Será que os Associados cobririam? Claro que sim.
Mas e o JC? Permitiria que seus repórteres escrevessem e falassem sobre o caso?
Na história recente do jornalismo pernambucano, o SJCC foi protagonista de alguns episódios de violação da liberdade de imprensa, como da demissão de Cícero Belmar, em 2005; na prisão de Marcelo Tavares de Melo, em 2007 e em 2009, quando o colunista Inaldo Sampaio perdeu o emprego por discordar do patrão.
Dessa vez, quando optou por defender seu profissional, o Sistema esteve do lado de quem luta pelo direito à comunicação. Que permaneça.
Texto extraído de: www.ombudspe.org.br
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